Pedaladas fiscais, contribuições ilegais para a campanha e pressões
indevidas ao Judiciário podem levar ao processo de afastamento da presidente da
República
Sérgio
Pardellas, Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo
A luz vermelha de
alerta foi acesa no Planalto. Pela primeira vez, desde o início da crise
política, o governo admite que a situação da presidente Dilma Rousseff beira o
insustentável. Ninguém mais esconde a gravidade do momento. Isolada,
registrando o pior índice de popularidade da redemocratização - míseros 9% -,
com sua base política e social em frangalhos, e sob o risco de ser abandonada
pelo próprio vice-presidente e por ministros estratégicos do governo, Dilma se
depara com o caos à sua volta. Percebe-se fragilizada em quase todas as frentes
políticas. Nunca, como agora, as condições para um possível impeachment da
presidente da República estiveram tão nitidamente postas. No TCU, encerra-se na
próxima semana o prazo para a presidente se explicar no episódio conhecido como
pedaladas fiscais, artifício usado pelo governo para maquiar as contas públicas
e simular um resultado fiscal diferente da realidade. O entendimento no
tribunal é que dificilmente as contas de 2014 de Dilma serão aprovadas dado o
grau de devastação da contabilidade do governo. Fatalmente a presidente será
responsabilizada num processo que pode, se avalizado pelo Congresso, culminar
com o seu afastamento por 180 dias para responder por crime de
responsabilidade.
No TSE, o cenário é ainda mais sombrio
para Dilma, o PT e o Planalto. O tribunal investiga a existência de
irregularidades na campanha cujo desfecho pode ser a cassação do diploma de
Dilma por abuso de poder político e econômico. Na última semana, os ministros
do TSE impuseram uma derrota ao governo por unanimidade numa ação em que o PT
tentava barrar a convocação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pedida
pelo PSDB. Graças a esse infortúnio que expõe a fraqueza do governo num foro
decisivo para o destino da presidente da República, no dia 14 de julho, Pessoa
irá repetir no TSE o explosivo depoimento dado à Justiça em regime de delação
premiada. Aos procuradores da Lava Jato, Pessoa revelou ter doado à campanha de
Dilma à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da
Petrobras, depois de pressionado pelo então tesoureiro Edinho Silva, hoje
ministro da Comunicação Social. O empreiteiro ainda entregou aos procuradores
uma planilha com título autoexplicativo: “Pagamentos ao PT por caixa dois”,
numa referência ao repasse ilegal de R$ 15 milhões ao então tesoureiro petista,
João Vaccari Neto, e de R$ 750 mil a José Filippi, responsável pelas contas de
campanha da presidente em 2010. Em reuniões internas do PMDB, José Sarney,
experiente cacique político e interlocutor de Lula durante seus dois mandatos,
avaliou, sem meias palavras: “A possibilidade da queda de Dilma é cada vez mais
real”. Para Sarney, a escalada de más notícias para o governo não cessa e o
cerco se fecha no momento em que a base de sustentação de Dilma no Congresso
desaba como um castelo de cartas. O temor no Planalto é reforçado pelo fato de
o doleiro Alberto Yousseff ter feito uma revelação tão grave quanto a de
Ricardo Pessoa no mesmo processo no TSE, onde o governo demonstra não dispor de
apoios sólidos. Yousseff disse ter sido procurado por um emissário da campanha
da presidente Dilma no ano passado para repatriar cerca de R$ 20 milhões
depositados no exterior. Ele só não executou a operação porque foi preso em
março com a eclosão da Operação Lava Jato. “Uma pessoa de nome Felipe me
procurou para trazer um dinheiro de fora e depois não me procurou mais. Aí
aconteceu a questão de prisão e eu nunca mais o vi. Se não me engano, o pai
dele tinha uma empreiteira”, disse o doleiro. Questionado se o dinheiro teria
como destino a campanha de Dilma, Yousseff foi taxativo: “Sim, mas não
aconteceu”. A conversa teria ocorrido 60 dias antes de sua prisão.
Além de Yousseff, foi ouvido pelo
ministro-relator João Otávio Noronha do TSE o ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras, Paulo Roberto Costa, e um personagem pouco conhecido do grande
público, mas com potencial para levar ainda mais complicações a presidente.
Segundo apurou ISTOÉ, em depoimento sigiloso à Justiça Eleitoral, o ex-diretor
de estudos e políticas sociais do IPEA Herton Ellery Araújo contou que foi
pressionado pelo governo para não divulgar, durante a campanha, dados que
pudessem prejudicar a reeleição da petista. Um desses dados dizia que o número
de miseráveis no Brasil havia aumentado entre 2012 e 2013, contrastando com o
discurso entoado por Dilma em peças publicitárias na TV e no rádio, e em
comícios País afora. Araújo não suportou a interferência e pediu exoneração do
cargo. “Nós não pudemos divulgar os dados da extrema pobreza da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios”, confirmou o ex-diretor em entrevista à
ISTOÉ. Para ele, o “governo errou a mão, fez besteira”. “A pessoa não pode
fazer o que quer para ganhar eleição”, disse. Além de abuso de poder político,
ao impedir a divulgação de dados oficiais negativos, Dilma pode responder por
falsidade ideológica. O depoimento de Araújo levou o TSE a convocar Marcelo
Neri, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a prestar esclarecimentos. O
ex-ministro terá de dizer de quem partiu a ordem no Palácio do Planalto para
impedir a divulgação da pesquisa.
De acordo com assessores palacianos,
Dilma reage mal ao isolamento imposto por antigos parceiros e aliados e às
pressões as quais está submetida. Em vez de ampliar a interlocução, fecha-se em
copas. Isso explica a escalada de declarações estapafúrdias dos últimos dias.
Na semana passada, somou-se à
trapalhada das citações de termos como “mulher sapiens” e à “saudação da
mandioca”, a inacreditável tentativa de desqualificar o depoimento de Ricardo
Pessoa, comparando o papel do colaborador da Justiça ao de delatores torturados
pelo regime militar e ao do traidor da Inconfidência, Silvério dos Reis. “Eu
não respeito delator”, disse Dilma (leia mais em box à pág. 33). Em conversas
reservadas, a presidente chegou ao despautério de dizer que poderia anular os
benefícios concedidos ao empreiteiro. A atitude desastrosa da presidente gerou
reações inflamadas no meio jurídico. O ex-presidente do Supremo, Joaquim
Barbosa acusou Dilma de incorrer em crime de responsabilidade. “A Constituição
não autoriza o presidente a investir politicamente contra as leis vigentes,
minando-lhes as bases. Atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é
crime de responsabilidade. Colaboração ou delação premiada é um instituto
penal-processual previsto em lei no Brasil”, criticou Barbosa. O ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, tentou defender a chefe, atribuindo sua fala a
um arroubo de “honestidade intrínseca”. A emenda ficou pior que o soneto. Os
elementos trazidos por Ricardo Pessoa também motivaram uma nova representação
da oposição, liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB), na Procuradoria- Geral
da República (PGR), pedindo a abertura de investigação contra Dilma por crime
de extorsão. Para juristas, a delação reforçou a tese do impeachment. O o
episódio relatado pelo dono da UTC ajudaria a explicar a omissão de Dilma
diante do Petrolão. Para o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito
eleitoral, as novas denúncias reforçam os indícios contra Dilma e o PT. “É
preciso levantar o quanto o valor arrecadado ilicitamente para a campanha
interferiu no resultado das eleições. Se as investigações puderem mostrar isso,
reforça o pedido de afastamento”
Em 2005, auge do escândalo do mensalão,
o governo petista contava com a liderança e o carisma de Lula, sua capacidade
de mobilização e, principalmente, com a sustentação do Congresso. É tudo o que
o atual governo não dispõe hoje. O retrato do esfacelamento da base governista
no Congresso foi a aprovação, na semana passada, do aumento de 78% para os
servidores do Judiciário – medida inviável economicamente para País às voltas
com um necessário ajuste fiscal para disciplinar as contas públicas. Se no
Congresso, uma das principais arenas de batalha de um presidente ameaçado de
afastamento, o governo demonstra estar anêmico, no próprio Palácio do Planalto
a situação não é muito diferente. A interlocutores, o vice-presidente Michel
Temer ameaçou abandonar o barco da articulação política com o Legislativo. A
atribuição coube a Temer no início do ano, quando a presidente percebeu que o
ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, havia perdido as rédeas da
negociação com os partidos aliados. A saída de Temer da articulação, neste
momento, representaria o abandono da presidente pelo seu próprio
vice-presidente. Além dos significado político do gesto, Dilma perderia o
principal elo entre o PMDB, maior partido da base, e o Planalto. Assim sendo, a
fagulha detonadora do processo de afastamento da presidente ficaria muito
próxima de ser acesa. Na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
tornou público o desejo de ver Temer fora da negociação com o Congresso,
jogando mais combustível na crise.
Em 1992, quando o ex-presidente
Fernando Collor foi apeado do poder, o estopim foram as revelações do motorista
da Presidência, Eriberto França, publicadas por ISTOÉ. Em reportagem exclusiva,
depois reafirmada na CPI, Eriberto revelou que PC bancava as despesas da
família do presidente, como a compra de um Fiat Elba e a famosa reforma na Casa
da Dinda, um imóvel particular transformado em residência oficial. Hoje setores
do PT classificam a movimentação pelo impeachment da presidente de golpe. Em
1992, Collor repetia a mesma ladainha: “Uma minoria quer realizar o terceiro
turno das eleições. Vou defender a Constituição, doa a quem doer. Os que
conspiram contra mim são golpistas e formam o sindicato do golpe”. Então na
oposição, os petistas, os mesmos que hoje bradam contra o que chamam de forças
golpistas, atestavam a constitucionalidade do processo. “Não há mais condições
éticas e políticas para governar. O impeachment é uma solução constitucional”,
disse José Dirceu, deputado do PT, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV
Cultura, em junho daquele ano.
Remontar àquela época ajuda a desnudar
a maleável ética do petismo, com a sua retórica que oscila ao sabor de sua
conveniência. Mas expõe, principalmente, a surpreendente similaridade entre os
dois momentos decisivos para a história do Brasil. Como há 23 anos, com Collor,
o índice de rejeição do governo Dilma beira os 70%. A presidente da República
não consegue mais ir à rua sem se defrontar com um cartaz pedindo a sua saída.
Seus ministros não têm paz sequer para comer fora de casa. Dona Leda Collor,
mãe do ex-presidente, também enfrentou a ira dos manifestantes no auge do
processo de impeachment contra o filho, quando foi internada num hospital em
Botafogo, no Rio. A mais importante das correspondências entre os dois
episódios, porém, é que, também a exemplo de julho de 1992, neste julho de 2015
começam a se desenhar as condições para o afastamento da presidente da
República.
O impeachment à brasileira pode ter
vícios de origem. É mais político do que jurídico. Desde sempre. Afastado pelo
Congresso, Collor foi absolvido no STF. Mas o impeachment é constitucional.
Está disciplinado em lei. No artigo 85 e na Lei 1.079, de abril de 1950. Não se
pode reduzir a discussão, como fazem cabeças coroadas do PT, ao questionamento
da índole e dos reais propósitos de alguns dos defensores da saída da
presidente. Até porque os petistas, hoje associados a toda sorte de desvios e
práticas de corrupção, não reúnem mais condições de fazê-lo. Dizer que os
adversários cometem exatamente os mesmos malfeitos que lhe estão sendo
atribuídos não anula a questão central: quem está no poder é Dilma, o esquema
em investigação ocorreu no seio da maior estatal brasileira, a Petrobras,
durante a gestão petista e é isso que está em julgamento agora. Ademais, todos
sabiam que, entre os que defensores do impeachment de Collor, havia políticos
oportunistas. O que não se sabia, na ocasião, é que os maiores oportunistas
eram os que estavam na linha de frente daquele processo e seriam os que mais se
beneficiariam dele anos depois – os petistas.
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